Entrevista: Raoni Mendes analisa o Turismo em João Pessoa e os caminhos para o futuro

 

Vereador Raoni Mendes
Foto: Fabiano Vidal

João Pessoa vive um novo momento no cenário do turismo nacional, ganhando destaque como a “queridinha do Nordeste”. Para entender melhor os caminhos, oportunidades e desafios que esse crescimento traz, entrevistamos o Vereador e Turismólogo Raoni Mendes (Democracia Cristã). Com sua trajetória ligada tanto à política quanto ao setor turístico, Raoni compartilha sua visão sobre o boom imobiliário, os riscos da gentrificação, a necessidade de preservar o patrimônio ambiental e cultural, e o papel das políticas públicas para garantir um desenvolvimento sustentável e equilibrado. Confira a seguir.

1. Vereador Raoni Mendes, como o senhor avalia o atual momento do turismo em João Pessoa e a alcunha de "queridinha do Nordeste"? Quais fatores, na sua visão de turismólogo, foram cruciais para esse boom?

Primeiro, Fabiano, quero agradecer a você por essa entrevista. Considero que o boom do turismo se deu porque João Pessoa cresceu de forma mais organizada que outras capitais do Nordeste. Enquanto outras regiões cresceram de forma desordenada, João Pessoa manteve um ritmo mais controlado, até por conta da limitação do número de leitos e da malha aérea ainda limitada. Agora, com a ampliação do aeroporto e a implementação do Polo Turístico Cabo Branco, que trará quase 15 mil novos leitos, a cidade entra em um novo patamar. Além disso, as construtoras tiveram papel fundamental nesse processo, ajudando a divulgar João Pessoa no mundo. Ainda é uma cidade com custo de vida relativamente acessível e com uma qualidade de vida que atrai tanto turistas quanto novos moradores.

2. O crescimento turístico está intrinsecamente ligado ao boom imobiliário. Quais os principais benefícios e os maiores riscos dessa relação para o desenvolvimento sustentável da cidade?

O boom imobiliário ocorreu porque as construtoras inovaram em perfil, forma e venda. Temos um padrão de construtoras na Paraíba que é referência. O benefício disso é a valorização da cidade. Mas há um risco claro: o número crescente de flats e o uso intensivo de plataformas como o Airbnb. Isso pode trazer um tipo de turismo não controlado, com impacto na segurança pública. Precisamos organizar melhor a cidade para minimizar esses riscos.

3. Comparando com outros destinos turísticos que passaram por booms semelhantes, quais lições João Pessoa pode aprender para evitar erros comuns e garantir um crescimento mais equilibrado e sustentável a longo prazo?

A primeira lição é preservar o que temos de mais valioso: nossas praias, rios e o centro histórico. Precisamos, por exemplo, considerar medidas como taxas de visitação, como ocorre em Fernando de Noronha, para locais como Picãozinho, Areia Vermelha e Ponta do Seixas. Os rios precisam ser despoluídos e transformados em parques urbanos. E no centro histórico, a segurança é essencial. A cidade boa para o turista é a cidade boa para o cidadão. Também precisamos investir em mão de obra qualificada e em segundo idioma, que ainda são limitações sérias para o setor.

4. Uma das queixas mais frequentes da população é a sobrecarga da infraestrutura (trânsito, saneamento, etc.). Quais medidas concretas a Câmara Municipal e a Prefeitura têm discutido ou implementado para mitigar esses problemas, especialmente durante a alta temporada?

Estamos discutindo projetos de mobilidade urbana, com um investimento internacional da ordem de mais de R$ 500 milhões para a criação de corredores de transporte público. Se o cidadão tiver conforto e segurança para deixar o carro e utilizar o transporte coletivo, teremos melhorias significativas no trânsito. Também estamos fazendo audiências públicas para discutir a realidade dos rios e dos mares, especialmente a questão das galerias pluviais que ainda despejam diretamente no mar.

5. O aumento do custo de vida, principalmente no setor imobiliário, é uma preocupação crescente. Existem políticas públicas sendo pensadas para garantir que o morador local não seja expulso de certas áreas ou tenha dificuldade de acesso à moradia devido à valorização impulsionada pelo turismo?

Essa é uma discussão que ainda não está sendo feita de forma ampla, infelizmente. Acho que a sua pergunta é uma oportunidade para trazermos esse tema para dentro da Câmara. O que vemos são políticas habitacionais voltadas para áreas mais afastadas do boom imobiliário. Precisamos repensar isso.

6. Como conciliar o desenvolvimento turístico com a preservação ambiental, especialmente nas praias urbanas e áreas de falésias como a Barreira do Cabo Branco? Quais ações de fiscalização e educação ambiental são prioritárias?

A Câmara tem a função de fiscalizar. Precisamos exigir que a Secretaria do Meio Ambiente tenha o corpo técnico necessário para cumprir seu papel. Uma das minhas propostas é estabelecer parcerias com as universidades, que têm estudos e conhecimento técnico que podem ser aplicados diretamente na gestão ambiental. Se houver um convênio entre prefeitura e universidades, teremos uma preservação muito mais eficiente dessas áreas sensíveis.

7. Além da orla, quais outras regiões ou segmentos turísticos (cultural, histórico, gastronômico, de eventos) podem ser mais bem explorados para diversificar a oferta e distribuir melhor o fluxo de visitantes pela cidade?

Temos um grande potencial na gastronomia. João Pessoa já é referência nisso. A criação de corredores gastronômicos, como o que foi feito no Miramar e o que está sendo planejado na General Osório, pode ampliar ainda mais essa vocação. Além disso, eventos como o Viva o Centro ajudam a resgatar o centro histórico com atividades culturais. A UFPB, por exemplo, tem uma tradição forte com a orquestra sinfônica e outras manifestações culturais que podem e devem ser valorizadas.

8. Como avalia a infraestrutura de apoio ao turista (sinalização, centros de informação, segurança específica, acessibilidade) e quais melhorias considera mais urgentes?

Acredito que precisamos valorizar mais a identidade local. Propus um projeto de lei para que as escolas municipais ensinem história, geografia e atualidades de João Pessoa. Isso ajuda a criar pertencimento desde cedo. João Pessoa é a terceira cidade mais antiga do Brasil e precisamos valorizar esse patrimônio.

9. Qual a importância da integração metropolitana (considerando cidades vizinhas como Cabedelo, Conde, Lucena) para o desenvolvimento de um polo turístico mais forte e diversificado?

É essencial. João Pessoa sozinha não consegue se sustentar como destino único. Temos que olhar para a região metropolitana como um todo. O São João de Campina Grande, por exemplo, pode ser integrado a esse circuito. Precisamos fazer como Gramado e Canela, que se promovem de forma conjunta. O turista que vem para João Pessoa pode também conhecer o Conde, Lucena, Cabedelo, e assim estender sua permanência por pelo menos uma semana, sem precisar migrar para Pipa ou Recife, por exemplo.

10. A longo prazo, qual a sua visão para o turismo em João Pessoa? Devemos focar em quantidade de turistas ou na qualidade da experiência e no tipo de turista que queremos atrair?

O foco deve ser na qualidade. O Polo Turístico Cabo Branco já traz essa visão. Um exemplo: Fortaleza antes e depois do Beach Park. João Pessoa terá o Aquai, que será três vezes maior que o Beach Park. Isso vai transformar o turismo no estado. Acredito que, em 20 anos, poderemos alcançar uma região metropolitana com mais de três milhões de habitantes, e com um turismo estruturado e qualificado.

Fabiano Vidal

Técnico em Turismo, Turismólogo, Jornalista, Especialista em Marketing e Publicidade, autor do livro "Do Tambaú ao Garden - A História Moderna do Turismo da Paraíba", agraciado com Voto de Aplausos e a Medalha de Mérito Turístico 2008, ambos concedidos pela Assembléia Legislativa da Paraíba.

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